quarta-feira, 16 de julho de 2014

Brancas

         Nunca entendi sobre planos. Eu fiz plano de aprender um idioma, de ser reconhecida pelo meu trabalho e de não me apaixonar - todos em vão. Eu já pensei em entrar em casa e ver aquela mulher linda me esperando no sofá, assim como pensei em nosso casamento e seu vestido branco. E essa é a questão.
          Esse é o plano que eu menos entendo. Por que diabos eu me apeguei ao tal vestido? Em qual momento eu coloquei na cabeça que isso era um sonho ou um plano a ser realizado? Logo eu, que nunca fui boa com sonhos, ainda mais em realizá-los. A frustração ao perceber que nossos dois vestidos brancos não vão existir é normal e um dia passa. Ou não.
       Quando noto como as coisas caminham, acho que faz algum sentido que alguma força maior ou o destino estejam agindo. De repente essa é uma maneira mais fácil de lidar com planos falidos. Quem sabe a aceitação seja a maior ferramenta dos fracos. E eu sou um desses. Tenho até carteirinha e levei foto 3x4 pra entrar no grupo. Eu e minha cara estampada: não correu atrás o suficiente. É tão fácil sentar e esperar, é tão cômodo achar que deus escreve certo por linhas tortas, é tão fácil sonhar e aceitar o fracasso de pernas cruzadas e falando para si "não era a hora".
        O foda é saber que não era a hora porque eu não quis que fosse. Quem sabe as coisas fossem diferentes. Eu estaria saindo às 6 e chegando as 23 do mesmo jeito, mas teria algum plano concluído. A mulher que eu queria poderia estar esperando, e a única diferença seria que todo o esforço teria valido a pena. A diferença seria chegar em casa e poder sentir o cheiro dela, do seu corpo, do seu sono e do seu amor.
    Ruim é chegar e sentir o cheiro do vazio, o cheiro que fica depois que tantas tentativas dão errado e são engolidas junto com o choro da partida. Afinal, não importa quantas justificativas fáceis de digerir eu construa, o peso da decepção sempre bate na porta e se acomoda em todos os espaços.

sábado, 5 de julho de 2014

o tempo é que dirá

O problema de ir é não saber como vai voltar.
Na verdade, a volta é incerta. Eu corri, o chão tão bem encerado refletia a minha pressa. Era o tipo de pressa boa, a que te faz correr como se você estivesse indo buscar um prêmio. E eu estava.
O meu portão era o último e eu a última para entrar. Tudo parecia muito confuso, como se eu não entendesse o que ninguém falava, a comunicação não parecia existir e, por alguns momentos, eu me perguntei se aquilo realmente estava acontecendo ou eu era mesmo o problema.  Mas nada demais, a dor não era forte o bastante para superar a ansiedade. Eu olhava para a tela acima das poltronas e esperava roendo as unhas uma informação sobre a velocidade do avião, pedindo mais ainda para alguém anunciar que a velocidade dobraria. Aproveitar um pouco mais, mesmo que fosse por alguns minutos, era tudo o que eu queria.
Antes mesmo de pousar eu liguei o celular, sabendo que era errado, e esperei que ele vibrasse. Nada de vibrar, nada de pousar, nada da dor acabar. Pousou direitinho, tudo certo. Oi mãe, cheguei bem. Mas ninguém me deixava sair, quantos anos se passaram nesses minutos? Tudo parecia estar saindo do protocolo, e eu a vi.
Nada como amar alguém e ver que essa pessoa te espera depois de tanto tempo, como se fosse a primeira vez. Nada como sentir frio na barriga, perceber que as pernas não respondem do jeito que você gostaria, as mãos geladas te denunciam. Às vezes o problema de ser fria é se preocupar demais quando se quer colocar algum tipo de sentimento pra fora.
E sentir era só o que eu conseguia fazer. Ainda não tive tempo de descobrir o que São Paulo causa em mim, ainda não descobri qual é a saída de toda essa bagunça, mas alguma coisa mudou. Eu olhei aqueles olhos claros e, pela primeira vez na vida, eu pensei “Puta merda, encontrei o amor da minha vida”. Não é um pensamento tão simples, nada ali era, como nunca foi. Porém, era leve. Sentir todo o amor do mundo era fácil demais pra ser verdade. Vai ver que ao dividir com alguém o peso acabe.
Nunca tive listas de coisas preferidas, nunca escolhi qual era minha música ou livro favorito, nunca decidi as melhores comidas ou os melhores amigos. Listas nunca fizeram parte dos meus dias. Mas o tempo foi passando e uma atualização automática foi feita: melhores dias da minha vida. Voltar não era mais uma questão, largar muito menos. A parte da liberdade, de não ter ninguém pra te olhar com desprezo, foi o ponto principal pra entender onde era o meu lugar. As coisas faziam sentido e eu podia finalmente amar sem preocupação.
Ou quase.
Eu percebi, tarde, que eu namorava a garota mais incrível de todas. E tarde também, entendi o que ela me falava sobre estar longe. Eu segurei o choro, sem sucesso, ao notar a falta que ela faz. Segurei o grito quando percebi que nossas pernas entrelaçadas e nossos beijos fazem a vida ter sentido. Os dedos dela entre os meus eram a minha direção e eu quase implorei para ter aquilo todos os dias, no mínimo o resto da minha vida.
O tempo passou rápido demais e a volta foi doída. Mais ainda por eu ter escolhido deixar tudo o que eu sentia e todo o meu amor pra trás. Afinal, o lugar deles era ali. Ao lado dela, igual o meu lugar também é. Dói não estar lá, dói não poder estar.
 Sinceramente, eu não voltei. Eu não quis voltar e ainda não quero, ainda não assimilei o que é estar pela metade, ainda não entendi porque o tempo passa rápido demais algumas vezes e em outras, quando eu quase morro para que ele corra, ele me mata passando o mais devagar que ele consegue.

O que tem incomodado mais é perceber que o problema não é ir. O problema é voltar.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Rio

O céu corria rápido. As nuvens passavam e eu quase não conseguia acompanhar os desenhos que formava. Sentia dali como um imenso cobertor me protegendo, pois era assim que a água sempre me fazia sentir.
O barulho do rio se misturava com as imagens das árvores exatamente acima de mim. E eu olhava desde o primeiro, até o último galho, o mais alto. O que o sol alcançava e parecia de um lugar diferente dos outros. Eu via o reflexo do sol nas teias de aranha e parecia tão perto que tentava pegar, mas sem sucesso. Apenas parei. Deixei meu corpo, que boiando, fosse levado pela água corrente do rio. Talvez me levasse para onde eu queria chegar. Talvez eu conheceria um mundo que eu sozinha não seria capaz de conhecer.A água refletia nos troncos das árvores. Sorri e pensei que eu ajudava a refletir também. Ajudava na força do rio e em deixá-lo limpo. Em pegar as pedras do fundo e conhecê-las.E o rio me ajudava.Me ajudava a esperar as águas que viriam e me mostrava que tudo seria diferente se eu continuasse ali, mesmo por um segundo. E eu esperei e esperarei. Quem sabe em algum momento as águas mudem. E se mudarem, quero estar de pé, observando-as passarem por mim.

domingo, 1 de abril de 2012

Estrangulados


       Era fim de tarde e ainda fazia um pouco de sol, o asfalto ainda molhado da chuva de outono. Sai com meu moletom, chutando as pedrinhas nas poças d’água, sem pensar em muita coisa, apenas com algumas palavras ecoando na minha mente. Tentava me livrar daquela frase, mas ela me cortava, me fazia sangrar. Caminhei sem rumo, enquanto observava os carros que passavam jogando água pra todo lado e as pessoas se espremendo nos muros para não ficarem encharcadas. Percebia as gotas nas folhas das árvores por onde passava, balançava algumas e ficava olhando-as até caírem no chão.

      O vento frio batia no meu rosto, e algumas lágrimas caiam junto com as gotas das folhas. Lembrei de quando pensei que não seria fácil, de como eu deveria evitar, de como eu deveria fugir, e lembrei de quando só passei por cima de tudo, quando não me importei se seria difícil ou impossível e só continuei. Continuei e cheguei aqui, me mantive firme, segura, me ergui até quando não tinha mais forças nem pra respirar. E continuei em pé só pra perceber, agora, que não adianta a força que eu colocava pra me manter, sempre há uma outra força, muito maior que a minha, que me derruba. Uma força que até posso nomear, algo como ingratidão, cegueira, falta de percepção, ou seja lá o que isso for. É o que me tira do eixo, da órbita. É a força que me deixa trêmula e faz sumir, o sempre presente, sorriso dos meus lábios, o substituindo só por choros baixinhos, abafados.
      Andei algumas ruas e parei num cruzamento. Observei os carros que iam e vinham, os que faziam coisas erradas, os que continuavam sempre certos. Olhei as pessoas, um ou outro cachorro perdido entre o movimento, e a chuva que voltava a cair, me molhando, dando a sensação de estar levando embora tudo o que me levou até ali. Não sabia mais se deveria voltar, ou se ficar ali mais um pouco seria bom. Eram quase inaudíveis os ecos na minha cabeça agora, eles já estavam saindo de onde só eu pudesse ouvir, já estavam no ar, por toda parte. Espalhados por aí, e não queria trazê-los de volta.
      Algo me dizia pra esquecer, e acho que foi isso que fiz. Continuei passando por várias ruas, agora prestando atenção nas pessoas que também deveriam estar com ecos em suas cabeças, e achei melhor, dessa vez, evitar e lembrar de como vai ser difícil... Assim, talvez, quando a força que eu tenho aqui comigo for maior e suficiente para me manter em pé, quando essa outra força queira me derrubar eu possa passar por cima de novo e aceitar que vale a pena enfrentar o difícil e o impossível pelo que eu acredito.

sexta-feira, 2 de março de 2012

é

      7h02m. Passo pela porta, andando vagarosamente, querendo ficar.  Entro no elevador e espero, enquanto mais algumas pessoas entram e ficam conversando... Tudo sempre automático, programadas pra falar bom dia. Não respondo, e fico contando os segundos para sair daquele lugar, finalmente chega ao térreo e eu sou a primeira a sair. Acendo o cigarro, e continuo andando...
    Telefone toca, ele me ligando novamente e, dessa vez decido atender. Quero te encontrar, ele me disse, e marcamos em um restaurante vegan na 412 norte. Percebo que cheguei muito cedo, e esse meu vício infernal ainda me atormentava, guardei o cigarro e fiquei quieta, apenas esperando.
    Ele chega, com aquele cardigan azul que eu havia lhe dado, e eu esqueço os meus olhos sobre ele, sobre seus ombros largos e seu sorriso radiante, me olhando. Admirável, tanto tempo depois, tantas lágrimas depois, meu coração ainda bate mais forte ao vê-lo.
     Caindo, rolando, rindo, brigando. Fui embora novamente sabendo que um dia ele ia me ligar me chamando pra ser dele mais uma vez e eu ia aceitar, como sempre aceito. Ia continuar querendo o mistério dele, ia continuar querendo a ignorância e o desapego. Ia continuar com a vontade de voltar pra casa querendo ser de alguém, com a vontade de querer viver novamente e me arrependendo, porque o “viver novamente” sempre me machuca.
     19h02m, chorando. Pego outro cigarro, e que se foda tudo agora. Ou foda-se nada, pois eu sentia que o nada era a única coisa que restava. Odiei-me por estar com aquele cigarro entre meus dedos e o joguei fora. Me acalmei, e voltei para casa junto ao nada.
    Tudo bem, é normal... Isso acontece, homens são idiotas e você também é! É normal. Vamos preparar algo pra comer, porque essa fome vai acabar te matando. Acalme-se, você não tem culpa de ser burra e não ouvir conselhos e você foi lá porque quis. Agora engole o choro e comece a fazer essa comida.
  Ligo o rádio, e pela primeira vez no dia me animo... Uma música do Lenine rolando e eu comendo todos os meus lindos vegetais e engasgando, como sempre. Ligo o computador, mas logo o desligo ao ver quantas vacas ele tinha adicionado no Facebook. Decido ir ler, O Diário de Anne Frank para aquele dia tenso. Paro na parte “... continuo a procurar um meio para vir a ser aquela que gostava de ser, que era capaz de ser...” e fecho o livro, realmente estava cansada.
   Desligo todas as luzes, e me deito. Querendo dormir para acordar com o sol batendo em meu rosto e os pássaros fazendo muito barulho em alguma árvore por aí. Eu levantando rindo, com toda a disposição do mundo, acordando sendo a pessoa mais feliz do planeta. Ou apenas dormir, sem ter nada em mente, dormir... Porque dormir era o que eu mais queria no momento.
   E tão rápido o despertador toca, parecia que eu tinha dormido apenas 15 minutos.  Levanto-me.
      7h02m. Passo pela porta, andando vagarosamente, querendo ficar.  Entro no elevador e espero, enquanto mais algumas pessoas entram e ficam conversando... É tudo sempre automático, programadas pra falar bom dia. Não respondo, e fico contando os segundos para sair daquele lugar, finalmente chega ao térreo e sou a primeira a sair. Não fumarei mais, e com isso na cabeça continuo andando.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

mais tarde

     Ela estava sentada em uma das cadeiras na estação, não havia muitas pessoas, mais ou menos 15h de uma terça-feira e o movimento não era muito grande. Não me aproximei, não podia, mesmo que eu quisesse muito ir e sentar-me ao lado, algo me prendia e fiquei parada olhando os trilhos até onde eles desapareciam na curva.
   Observei todas as pessoas que estavam na estação, uma mulher com uma saia rosa com uma bota marrom até quase os joelhos desceu a escada rolante sem jeito e, quase caiu ao meu lado. Segurava uma sacola grande e parecia pesada, mas achei que ela não gostaria se oferecesse ajuda. Outras três pessoas sozinhas se encontravam em alguns dos cantos da plataforma e outras duas ocupavam mais duas cadeiras ao lado dela.
   Quando eu realmente queria que o metrô passasse rápido, ele demorou mais do que o imaginável. Tentava observar e prestar atenção em qualquer coisa à minha volta para não ir até onde ela estava e pegar em sua mão, mesmo se fosse para não dizer nada, mesmo se fosse pra contemplar o que teríamos pela frente.
    Imaginei alguma desculpa para me aproximar, alguma palavra que fosse suficiente e que fosse maior do que um “eu não posso”, qualquer coisa, um mínimo detalhe que me faria ir até ali livre, sem me preocupar, sem que nada me impedisse. Nem mesmo meus conselhos serviam pra mim, nem mesmo minha coragem me acompanhou. Eu poderia pensar em escapar de todas as coisas que me faziam ficar parada olhando o outro lado, poderia enganar o que me prendia e sentar-me, recolher-me ali ao lado.
      Com o barulho todos levantaram e se aproximaram da linha amarela e algo me fazia acreditar que ela estava cada vez mais próximo, que cada instante eu gostaria mais de tê-la perto, e por um milésimo de segundos, quando acidentalmente olhei para ela e ela vinha na minha direção para ficar ao meu lado, quis muito que o motivo fosse eu e não somente a porta que abriria à nossa frente. Esperamos a porta abrir, uma ao lado da outra, e entramos.
      Metrô vazio, sentei, ainda com meu fone de ouvido e ela sentou um pouco distante. Distante era uma palavra corretíssima, ou não. E mesmo assim continuamos ali, seguindo juntas, na mesma direção, contando apenas com a distância, que era o que ainda nos separava.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

enquanto sós

    Não foi como eu imaginava, mas como ela falou que ia chegar atrasada e já estava a caminho, achei melhor seguir em frente. Entrei sozinha, acompanhada apenas da minha jaqueta marrom, que uso quando desejo impressionar alguém. Na entrada do local duas estátuas recebiam os fregueses, poucas luzes amarelas marcavam o lugar, as pessoas eram apenas penumbras e as paredes completamente revestidas de pôsteres de filmes me chamavam atenção. O rock se misturava com as vozes das pessoas que conversavam, mas era agradável. O lugar era pequeno e fechado, e me sentei à mesa do canto para poder observar a decoração.

    Por um momento coisas passavam na minha cabeça e um tipo de frio na barriga me atingiu, não me lembrava mais como puxar assuntos ou fazer elogios. Afundei na cadeira, observei o lugar. A pouca luz não me deixava ver as pessoas com perfeição, mas o que eu podia ver eram grupos de amigos, uns casais e caras olhando para as meninas de outras mesas.

      Ela chegou uns quarenta e cinco minutos depois e me senti bem ao vê-la vindo em minha direção, sorri e ela estava linda como sempre. Sentou-se ao meu lado e pedimos algo para comer, ela pediu um suco e sorriu pra mim.

    - Parei de beber, esqueceu?

    Ri de volta e conversamos coisas sem importância até a comida chegar.

    Acho que precisávamos falar sobre tantas coisas, tantas coisas precisavam ser ditas e lembradas que preferi formar desenhos com palitos de dentes. Olhei pra ela, estava tão concentrada em mexer o suco com o canudo que imaginei que ela estava querendo que o silêncio continuasse, assim como eu. Me perguntei quanta coisa cabia naquele silêncio, achei que se falasse alguma coisa poderia estragar tudo, continuei olhando pra ela, que estava decidida em girar o canudo no copo. Imaginei como poderíamos ser felizes, como eu queria tê-la ao meu lado por muito tempo, imaginei como eu tinha que ter falado muitas coisas ao invés de apenas olhá-la e percebi, então, que em meio ao silêncio e um copo de suco, poderia caber uma vida, ou até duas.

      Vi os banhos de chuva, as risadas altas ou as abafadas, quem sabe uma estrada, uma praia. Escovas de dente, livros e copos sujos. Abraços, andando de mãos dadas comentando sobre aquele filme no cinema. Talheres, respirações, algumas lágrimas e brigas. A dedicação, o acordar com um beijo na testa e sentir a sensação de ter tudo no mundo. Idas a lugares idiotas, quedas, mordidas ou olhares que expressam tudo.

     Mas o silêncio bastava. Ocupava o lugar das palavras que precisavam ser ditas, ocupava o lugar do carinho ou de algum beijo, de uma decisão de querer estar ao lado por muito tempo. Ocupava o lugar das discussões, brigas.

    Ela me olhou, e era como se tudo o que eu havia pensado estivesse escrito ali em seu rosto, no seu olhar e, naquele instante, todo o tempo do mundo se estendia diante de nós. Todas as nossas escolhas estariam ligadas, como se nossos caminhos começassem a ser construídos para se cruzarem, fazendo parte um do outro por muito tempo, seguindo a mesma direção.

     E então eu não precisava de nada, nem de palavras ou de confirmação. O silêncio cumpriu o seu papel. Eu queria estar com ela. 

    Dividimos a conta, passamos pelas estátuas na saída e caminhamos lado a lado pela calçada. A puxei para os meus braços e a abracei, aproveitei o momento, sabendo que não sentiria seu toque outra vez.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

sempre

        Faltava pouco tempo para o Natal e ainda não tinha montado a árvore. Busquei a caixa embaixo da cama, espirrei como sempre da poeira. No ano anterior não me interessei com os enfeites de Natal, mas esse ano queria que tudo ficasse bonito. Estava pesado e abri com cuidado me preparando para correr caso qualquer barata quisesse escapar de dentro da caixa.
        Dentro da caixa tudo estava organizado e me perguntei se tinha mesmo apenas um ano que eu não mexia naquilo, ou se tinha mexido ontem. Ao mesmo tempo em que eu pensava que o ano tinha passado rápido, eu pensava que tinha demorado demais para passar, contando, é claro, quantas coisas tinham acontecido durante esse tempo. E fiz a típica pergunta de final de ano: As coisas estão começando ou terminando?
       Montei a árvore, abri os galhos... Ela estava torta, ri ao olhá-la. Desenrolei os pisca-piscas, era minha parte favorita do Natal, a que eu achava mais linda. Ficaria horas olhando as luzes apagando e acendendo. Passei as luzinhas pela árvore, e antes de colocar os enfeites decidi procurar algum cd legal, mas achei um DVD do James Brown e do B. B. King que havia ganhado muitos anos atrás de um amigo. Coloquei para passar e voltei para a decoração. Pendurei com cuidado cada bolinha e anjinho, pensando já o que faria para a ceia, ou simplesmente se eu teria companhia no Natal esse ano.
     Enquanto decidia o lugar para cada coisa da árvore, liguei para minha mãe, que ficou feliz quando perguntei se poderia passar o Natal com ela, contou mil casos, me chamou para participar do amigo oculto da família e falou que estava com saudade. Estava com saudade dela também. Estava com saudade de tanta coisa, mas algo me dizia que tudo finalmente estava seguindo o caminho certo. Finalmente tudo se ajeitando e ficando em paz novamente. Tudo parecia estar no lugar, menos a árvore, que ainda estava torta. Me afastava para olhar melhor e ria alto.
       Não achava um jeito para colocar as luzinhas na parede e me sentia muito baixinha por não conseguir alcançar os pregos que ficavam perto do teto, mesmo subindo em uma cadeira. O DVD tinha acabado, não sabia mais onde colocar os enfeites, tinha uma prova no dia seguinte e ainda tinha que entregar algumas fotos que não tive tempo de arrumar no dia anterior.  Sentei na cadeira que eu estava subindo e achei melhor decidir o que fazer primeiro.
Escolhi o mais importante: Um banho quente, um bom livro e um bocado de café.  

terça-feira, 5 de abril de 2011

Não há de ser nada

Esqueci de acordar. Esqueci de apagar a luz, de limpar os pés. Esqueci das palavras e dos palavrões.  Esqueci de ler, e de escrever. Esqueci de salvar, de decorar. Esqueci as chaves, e as claves. Esqueci no cais, esqueci do caos. Esqueci o terno, a ternura. Esqueci a massa, esqueci o que se passa. Esqueci a margem, esqueci da imagem. Esqueci a verdade, a liberdade. Esqueci o coro, esqueci o choro. Esqueci o que foi, o que fui. Esqueci o que sou, o que restou. Esqueci do medo, esqueci da fuga. Esqueci de lutar, esqueci de ajudar. Esqueci o que era, e o que poderia ser. Esqueci do terço, e do berço. Esqueci da vida, esqueci de estar viva. Esqueci o ódio, o amor. Esqueci de sentir, de guardar rancor. Esqueci a passagem, a mensagem.  Esqueci o compasso, o abraço. Esqueci.

Esqueci de mim.

Esqueci de te esquecer.